Depois de denunciar ameaças, Léo Veras foi assassinado a tiros em região marcada por intimidações à imprensa e mortes atribuídas ao narcotráfico
Uma execução voltou a ligar o sinal de alerta para a violência contra trabalhadores da imprensa na fronteira entre Brasil e Paraguai. Na noite desta quarta-feira, o jornalista Léo Veras, de 52 anos, foi assassinado a tiros na cidade paraguaia de Juan Pedro Caballero, vizinha de Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul. Era lá, do lado brasileiro da fronteira, que a vítima mantinha o site de notícias Porã News e, regularmente, publicava matérias sobre o tráfico de drogas na região. Às 21h, dois homens encapuzados invadiram sua casa, onde o jornalista jantava com a família, e efetuaram mais de 10 disparos. Um dos tiros atingiu a cabeça de Veras, que chegou a ser socorrido, mas morreu no hospital.
“Mais uma vítima dos ataques contra os trabalhadores da comunicação, nestes tristes tempos de cerceamento da liberdade de expressão, Léo Veras merece mais do que condolências”, manifestou em nota o Sindicato dos Jornalistas do Mato Grosso do Sul. Já o Sindicato dos Jornalistas do Paraguai lembrou que este foi o 19º assassinato de profissionais da imprensa em menos de três décadas no país. “Vemos que mais uma vez os grupos criminosos tentam apagar a voz dos jornalistas através das balas e da violência, perante a cumplicidade de um Estado totalmente infeccionado pela máfia e a narcopolítica. Exigimos às autoridades que de imediato garantam a vida e a segurança dos colegas da área, além de conseguir esclarecer este terrível crime e julgar devidamente os culpados.”
A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) ressalta que Léo Veras começou a ser ameaçado justamente por investigar o assassinato de outro jornalista em Juan Pedro Caballero. Depois de publicar reportagens sobre a emboscada que vitimou Carlos Artaza, repórter de uma rádio paraguaia, em 2013, Veras registrou queixa a respeito das mensagens com a ameaças que recebera no celular, indicando que ele havia entrado para uma lista de pessoas que seriam mortas pelo narcotráfico. Na época, chegou a receber proteção policial, mas continuou apurando crimes relacionados à escalada de violência pelo controle dos pontos de venda de drogas na região.
No ano anterior, dois jornalistas do Jornal da Praça, de Ponta Porã, também haviam sido assassinados em um intervalo de nove meses na principal avenida da cidade. Em documentário produzido pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), como parte do Programa Tim Lopes, que financia a investigação de crimes contra jornalistas em homenagem ao ex-repórter da Globo, morto por traficantes no Rio de Janeiro, Léo Veras aparece como um dos entrevistados, denunciando a rotina de intimidação vivida pela imprensa local. “Eu sempre peço que minha morte não seja tão violenta, com tantos disparos de fuzil. Porque aqui é assim: se um pistoleiro quer te matar, ele vem na sua porta, manda você abrir e vai te dar um disparo. Eu espero que seja só um”, contou ao documentário veiculado em 2017, como se já prenunciasse seu destino diante das mortes recorrentes de colegas.
Em janeiro, em entrevista à TV Record, Veras voltou a relatar ameaças por parte do crime organizado numa região que praticamente normalizou execuções como forma de censura. Para reforçar a hostilidade à imprensa, pistoleiros costumam utilizar o Dia do Jornalista, celebrado em 26 de abril no Paraguai, para assassinar repórteres jurados pelas redes do tráfico. Em Juan Pedro Caballero, a Praça do Jornalista foi batizada em memória do repórter investigativo Santiago Leguizamón, executado com 21 tiros em 1991. A baixa taxa de resolução de crimes que têm jornalistas como alvo na fronteira, em que apenas 25% das ocorrências tiveram responsáveis identificados e julgados, ajuda a perpetuar o contexto de impunidade que resulta em mais mortes como a de Veras. Em comunicado emitido nesta quinta-feira, as autoridades paraguaias prometem apuração rigorosa sobre o assassinato.
El País.
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