Descoberto na gestação, tumor foi retirado no 34º mês durante procedimento que reuniu equipe multidisciplinar
Depois de quatro semanas de planejamento, oito dias de preparação, nove horas de procedimento e muita expectativa, as enfermeiras Lilian Vilalba Pinto, Naira do Amaral Sobreiras e a médica obstetra Vanessa Chaves, respiraram aliviadas com a sensação do dever cumprido: tinham acabado de ajudar a trazer ao mundo, são e salvo, o pequeno José Eduardo, um verdadeiro guerreiro de 2,500 kg e cabelos ruivos.
Naquele momento, no dia 18 de dezembro do ano passado, a imensa equipe médica do Hospital Regional de Mato Grosso do Sul estava fazendo história. Uma história feita de vontade, pesquisa, talento, sensibilidade e profissionais comprometidos com a cirurgia de Teratoma Cervical Neotal, a primeira realizada em todo o Estado de Mato Grosso do Sul.
O mutirão formado em torno da mãe, Vanessa Barbosa Furtado, 39 anos, e do seu bebê, foi composto por uma equipe de dois anestesistas, dois obstetras, dois médicos intensivistas neonatal, um cirurgião especialista em cabeça e pescoço, uma cirurgiã pediátrica, três enfermeiras, 10 técnicos de enfermagem, fisioterapeuta, além de mais de uma dezena de técnicos e ajudantes da ala cirúrgica do hospital.
Ao olhar para todos os 50 profissionais que trabalharam em duas salas de cirurgia, a obstetra Vanessa Chaves, responsável também pelo pré-natal da sua xará, disse que experimentou uma sensação de gratidão que nunca havia sentido antes. “Foi um belo trabalho de equipe”, salientou, ressaltando que o trabalho, além de salvar a vida do pequeno José, foi uma grande experiência para todos, principalmente por se tratar de procedimento pouco comum em todo o Brasil.
Simulação do procedimento, pesquisa e estudos foram essenciais
A decisão de submeter-se a um procedimento desta complexidade, e envolvendo diversos riscos, foi tomada de forma consciente e tranquila pela mãe. Mesmo com alguma condição financeira (que lhe possibilitou passar por algumas consultas e exames particulares, antes de chegar ao HR), Vanessa, dentista em Figueirão (região norte do MS), disse que sentiu absoluta confiança na equipe do HRMS. “Entreguei minha vida nas mãos deles e sou muito grata por tudo que fizeram por mim”, diz.
A equipe de enfermagem só ficou sabendo do procedimento duas semanas antes, mas os médicos já haviam iniciado os estudos para a realização do parto e dissecação do tumor no recém-nascido. Segundo a obstetra Vanessa, assim que todos chegaram ao mesmo veredicto, foram feitas diversas pesquisas e estudos de caso. A equipe também buscou apoio e informações no IMIP – Instituto Prof. Fernando Figueira, um dos 12 centros de pesquisa integrante da Rede Nacional de Pesquisa Clínica, situado em Recife (Pernambuco) e referência em casos de oncologia neotal.
Para melhor interação e troca de informações entre os profissionais, formou-se um grupo de WhatsApp com os 18 médicos e duas enfermeiras que participaram na elaboração e organização das cirurgias. A princípio o procedimento seria realizado quando a gestante estivesse no 37º semestre de gravidez. Mas o rompimento inesperado da bolsa adiantou a cirurgia em 3 semanas. “Tivemos apenas oito dias para preparar tudo”, conta a enfermeira e gerente do Centro Cirúrgico, Lilian Vilalba, explicando ainda que também foi feita uma simulação do procedimento para organizar o posicionamento de cada um dos profissionais que estariam na sala.
O procedimento
Chamado EXIT – Tratamento Uterino Extra Parto, o procedimento escolhido pela equipe do HRMS, além de acertado, é indicado em situações que o bebê apresenta obstrução das vias aéreas, como no caso de José Eduardo, cuja traqueia, de acordo com exame, se encontrava obstruída. Durante a cesariana o bebê foi retirado parcialmente da barriga, para manter a circulação fetoplacentária, e feita a intubação que garantiu a via aérea do bebê. Em seguida foi cortado o cordão umbilical e, na outra sala, outra equipe retirou o tumor de José. Só então a cesariana foi finalizada.
“Tínhamos uma série de riscos e não sabíamos se tudo daria certo”, confessou a Dra Vanessa, explicando que, caso a desobstrução não desse certo, seria preciso fazer uma traqueostomia no bebê. A equipe teve menos de nove minutos para realizar a intubação, feita com o bebê em cima da mãe.
Quem já assistiu a série médica “Grey´s Anatomy”, já deve estar imaginando o clima de tensão na sala de cirurgia. Mas, felizmente na sala do HR cada um sabia perfeitamente o seu papel e a hora de intervir. Isto graças ao perfeito planejamento cirúrgico feito anteriormente pela equipe. “Todos os movimentos foram absolutamente sincronizados”, ressaltou a obstetra, que faz parte da equipe do HR há 21 anos.
Ainda segundo ela, boa parte do sucesso no planejamento é devido ao empenho da médica radiologista Thaliene Neves, única profissional de Campo Grande, de acordo com Vanessa, que se interessou pelo caso. Através das imagens da ressonância, Thaliene conseguiu fazer uma espécie de “guia da cirurgia”, desde a incisão no útero até a intubação do bebê, e até prevendo possíveis complicações que, felizmente, não aconteceram.
Alta depende da deglutição do bebê
Que José é um guerreiro, ninguém duvida. Mas para ir para casa ele ainda precisa aprender algo que o tumor lhe impediu temporariamente: ele não consegue fazer o movimento de deglutição. Com pouco mais de um mês de vida, ele ainda se alimenta por sonda gástrica, mas todos os dias vem recebendo “treinamento” das profissionais de fisioterapia e fonoaudiologia.
Saudável e pesando exatos 3,270 kg, ele se comporta muito bem, mesmo quando a enfermeira, com uma luva, pressiona os dedos na sua boquinha para ensiná-lo o movimento. Mas segundo a mãe, Vanessa, ele não é sempre tão comportado. “À noite ele fica bravo e dá um baile na gente”, brinca. Há uma semana, ela passa as 24 horas do dia com José, que agora está na UTI neonatal intermediária. Livre de todos os aparelhos (apenas com a sonda), ele já pode ser carregado à vontade pela mãe, que está de alta há vários dias.
Quem está aflito para conhecer o bebê mais famoso de Mato Grosso do Sul, é o irmão, Guilherme, de onze anos. De lá da sua cidade, junto com o pai, ele acompanha todo a movimentação no noticiário e só reclamou de uma coisa: ele também quer aparecer nas entrevistas. Afinal, todo mundo precisa saber que José também tem um irmãozinho, não é verdade?
Theresa Hilcar – Subsecretaria de Comunicação (Subcom)
Fotos – Saul Schramm
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