Duas leis que alteram a legislação penal foram sancionadas nos últimos meses de 2019. A Lei 13.964/19, conhecida como “anticrime”, entrará em vigor no dia 23 de janeiro, sendo uma de suas inovações – talvez a mais polêmica – a figura do Juiz de Garantias. Nessa quarta-feira (15), o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, fixou regras de transição com prazo de até 180 dias para a implementação da lei. A decisão liminar foi provocada pelas ADIs 6.298, 6.299 e 6.300. Leia aqui.
Já a Lei 13.869/19, conhecida como a Lei de Abuso de Autoridade entrou em vigor no dia 03 de janeiro deste ano. Para entender as mudanças, conversamos com o defensor público Rodrigo Antônio Stochiero Silva, que atua no Tribunal do Juri, na 16ª Defensoria Pública Criminal de Campo Grande.
O defensor público Rodrigo Stochiero em evento na Defensoria Pública.
Pergunta: Qual a função do juiz de garantias?
Rodrigo Stochiero: O juiz de garantias não é novidade. Há um projeto no Senado Federal sobre a inclusão deste instrumento no código de processo penal desde 2009. Então, há dez anos já se discute esta inclusão, que é um juiz que vai exercer uma função específica dentro do processo penal, de fiscalizador da atuação de investigação, que é feita antes da ação penal, pois o juiz também é um ser humano e ele se contamina quando toma conhecimento do procedimento de investigação. O que se quer é garantir a imparcialidade do juiz que vai julgar a causa. Como se faz isso? Separando essas funções. O juiz que vai julgar a causa só tem contato com o material que é produzido durante a produção de provas no Judiciário e o juiz de garantias, toma conta das medidas cautelares, das medidas antecipatórias que são feitas pela autoridade policial.
Essa medida existe em outros países?
Sim, para citar alguns países, temos previsão em Portugal, França. Na América do Sul é um procedimento em quase todos os países.
Qual o posicionamento da Defensoria sobre esta novidade?
A medida é essencial, pois visa trazer maior clareza e imparcialidade no julgamento dos processos, aperfeiçoando o sistema de justiça criminal.
Como vai funcionar a organização do Poder Judiciário para abarcar o juiz de garantias?
A aplicação pode ser feita por meio de simples mudanças organizacionais, sem necessidade de contratação de novos juízes. Enfim, sobre essa questão estrutural, obviamente cada Estado tem a sua condição especial, mas não há a necessidade da criação de varas criminais, apenas uma reorganização do tabuleiro judiciário para poder acomodar o juiz de garantias.
Há uma preocupação, por exemplo, nas comarcas de primeira entrância, onde há somente um juiz de direito. Como seria essa substituição, já que há a necessidade de dois juízes, pelo menos, para o processo penal fluir normalmente? Hoje em dia, com a informatização dos processos, o juiz de garantias não precisa necessariamente estar na mesma comarca do processo. Há a possibilidade, por meio da tecnologia – aqui em Mato Grosso do Sul o processo já é eletrônico – da realização de escalas entre magistrados que estão em outras comarcas, pra exercer a função do juiz de garantias, ou a função do juiz que irá julgar a causa. Talvez, há alguns anos seria um problema, hoje não há desculpas para a não implementação do juiz de garantias até mesmo em comarcas de vara única.
Como irá funcionar na prática?
Durante a fase de investigação policial, o delegado de polícia tem certa autonomia para investigar, mas algumas posições jurídicas que ele vai tomar necessitam de uma decisão judicial. Por exemplo, uma interceptação telefônica só pode ser realizada com autorização judicial. Então, nesses casos em que há necessidade da jurisdição atuar, a autoridade policial vai provocar o juiz de garantias, avaliará a necessidade ou não de utilização daquele mecanismo, vai verificar também a regularidade do inquérito policial quando encerrado e o Ministério Público estiver pronto pra propor a denúncia. Após o recebimento da denúncia pelo Judiciário, o juiz de garantias não participa mais do processo e entra a figura do juiz natural da ação, que é o que vai julgar o caso, sem ter a contaminação anterior de conhecer o que foi feito na fase de investigação.
Qual a importância deste procedimento?
O juiz de garantias é a reafirmação do que a gente chama de sistema acusatório, em que há uma distinção de funções. No sistema acusatório, que a Constituição abrigou no seu texto, é previsto que as funções são totalmente delimitadas e separadas. Há o promotor que acusa; o defensor público ou advogado, que defende; e o juiz, que tem que ser equidistante das partes e julga, sem poder produzir prova. Logo, o juiz de garantias auxilia na fiscalização desse primeiro momento de investigação e o juiz da causa vai estar ali somente para julgar. Há uma separação das funções, essencial para o processo democrático de direito.
Sobre a lei de abuso de autoridade, quais mudanças ela traz?
A lei de abuso de autoridade passou a prever a responsabilização criminal de agentes públicos, mas grande parte das condutas que ela aborda diz respeito a agentes de polícia. São 30 artigos que descrevem condutas que são crimes. Alguns exemplos são sobre a decretação de prisão ilegal e da exposição midiática ou vexatória da pessoa que é objeto da persecução penal.
Estas previsões são novas ou já existiam no nosso ordenamento jurídico?
Havia uma lei de abuso de autoridade, que data da época da ditadura, que já tinha algumas previsões, mas era um pouco tímida, nem tudo era crime, algumas questões eram simplesmente falta administrativa. Hoje em dia, não. Por exemplo, a exposição midiática da pessoa presa é uma conduta que passou a ser crime. O agente ou a autoridade policial que promover a exposição da imagem da pessoa presa nos meios midiáticos pode sofrer uma punição de detenção de um a quatro anos.
A pena é somente para o agente público?
Sim, pode ser o policial civil ou militar que, por exemplo, convida a imprensa pra fotografar o preso. Antigamente era muito comum a pessoa ser colocada no painel da polícia e eram tiradas fotos dela pra estampar as matérias jornalísticas, hoje em dia isso não é mais possível.
Então programas que mostram imagens da pessoa presa não podem mais ser realizados?
O direito à informação ainda permanece, a imprensa pode informar e divulgar. O problema vai ser quem forneceu o material. Então se a imprensa consegue uma fotografia ou imagem e expõe, não é responsabilizada por esta lei. Mas se as imagens foram na delegacia, por exemplo, é bem possível alguma autoridade ter permitido e ela pode ser identificada. Acredito que isso irá coibir estas condutas, pois uma coisa é a informação vinda de uma fonte que não se pode precisar, outra é uma imagem de uma unidade policial.
Quais outras situações que o senhor pode destacar sobre a lei?
Agora a pessoa presa não pode prestar interrogatório na delegacia no período noturno com o objetivo de se evitar abusos. A exceção é em caso de flagrante (pois a autoridade policial tem 24 horas para formular o flagrante).
Com relação à defesa, por exemplo, é proibido impedir sem justa causa a entrevista pessoal e reservada do preso com seu defensor ou advogado e manter preso pessoas de ambos os sexos na mesma cela. Por mais absurda que essa última hipótese possa parecer, já vi acontecer.
Texto: Lucas Pellicioni
Cobertura do Tereré NewsQuer ficar por dentro sobre as principais notícias de Mato Grosso do Sul, Brasil e do mundo? Siga o Tereré News nas redes sociais. Estamos no Twitter, no Facebook, no Instagram, no TikTok e no YouTube. Acompanhe!
Comunicado da Redação – Tereré News
Site de notícias em Campo Grande, aqui você encontra as últimas notícias da Capital e ainda Dourados, Três Lagoas, Corumbá, Ponta Porã, Sidrolândia, Naviraí, Nova Andradina e demais municípios de Mato Grosso do Sul. Destaque para seção de empregos e estágios, utilidade pública, publicidade legal e ainda Pantanal, Web Rádio, Saúde, Eleições 2022. Tereré News, Online desde 2017, anuncie conosco e tenha certeza de bons negócios.
Siga o Tereré News Nas Redes Sociais
Desenvolvido por Argo Soluções
Cookie | Duração | Descrição |
---|---|---|
cookielawinfo-checkbox-analytics | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Analytics". |
cookielawinfo-checkbox-functional | 11 months | The cookie is set by GDPR cookie consent to record the user consent for the cookies in the category "Functional". |
cookielawinfo-checkbox-necessary | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookies is used to store the user consent for the cookies in the category "Necessary". |
cookielawinfo-checkbox-others | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Other. |
cookielawinfo-checkbox-performance | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Performance". |
viewed_cookie_policy | 11 months | The cookie is set by the GDPR Cookie Consent plugin and is used to store whether or not user has consented to the use of cookies. It does not store any personal data. |