Ações do governo precisam envolver adaptações arquitetônicas, comportamentais e de conteúdo para reverter as estatísticas
Incompreensão dos educadores e colegas de escola, dificuldade de concentração, preconceito, falta de acesso adequado à sala de aula e de avaliação adaptada às suas necessidades. Estas são apenas algumas das dificuldades enfrentadas por alunos com algum tipo de deficiência durante sua jornada de aprendizado e que levam às estatísticas de alta evasão escolar e à falta de oportunidades futuras no mercado de trabalho.
Para buscar reverter o quadro, o Governo Federal anunciou investimentos de cerca de R$ 3 bilhões. Os recursos serão destinados a ampliar o acesso e o aprendizado de estudantes com algum tipo de deficiência em escolas regulares, nos próximos quatro anos. Porém, ainda há um abismo entre discurso e realidade.
“Por trás de um discurso de inclusão, o MEC não diz explicitamente como as diferenças serão trabalhadas, para que elas não gerem desconforto, incômodos e feridas. É algo bonito de se ouvir, mas não podemos desconsiderar as dificuldades de implantar tais propostas sem tecnologia, sem especialistas, sem docentes preparados e com jovens alunos, muitas vezes, não empáticos”, diz Francisco Borges, mestre em Educação e consultor de gestão e políticas públicas voltadas ao ensino da Fundação de Apoio à Tecnologia (FAT). Ele espera que o Ministério da Educação tenha mais clareza nas propostas e garanta que os alunos que necessitam da educação especial não terão suas dores reforçadas.
Os dados do IBGE, demonstram que o abismo é mais profundo que parece. A taxa de analfabetismo para as pessoas com deficiência é de 19,5%, enquanto para as pessoas sem deficiência fica em 4,1%. A maior parte das pessoas de 25 anos ou mais com deficiência não completaram a educação básica: 63,3% eram sem instrução ou com o fundamental incompleto e 11,1% tinham o fundamental completo ou médio incompleto. Para as pessoas sem deficiência, esses percentuais foram, respectivamente, de 29,9% e 12,8%.
Enquanto apenas 25,6% das pessoas com deficiência tinham concluído pelo menos o Ensino Médio, mais da metade das pessoas sem deficiência (57,3%) tinham esse nível de instrução. Já a proporção de pessoas com nível superior foi de 7,0% para as pessoas com deficiência e 20,9% para os sem deficiência.
“O Governo deu um grande passo, mas para que haja uma troca de experiências entre as pessoas com e sem deficiência, a escola regular chamada de “escola inclusiva” necessita de algumas adaptações em diversos aspectos: arquitetônicos, de conteúdo e, às vezes, até comportamental, para que as performances de todos os alunos sejam equiparadas de forma justa, e para que os alunos sem deficiência saibam como se comportar perante aos alunos com deficiência”, afirma Valmir de Souza, sócio-fundador da startup Biomob e diretor de operações do Instituto Biomob, instituições especializadas em práticas de acessibilidade para empresas e consultoria para projetos sociais.
A proposta do Governo é dobrar o número de escolas que recebem recursos para Salas de Recursos Multifuncionais, alcançando 72% dos estabelecimentos. A criação de 27 observatórios de monitoramento e o lançamento de seis editais para pesquisadores com deficiência também foram objetivos incluídos.
O diretor do Biomob defende ainda que as reestruturações aconteçam em todos os níveis da formação dos cidadãos para que as oportunidades realmente existam. “Outro grande desafio é a qualificação profissional, e isso pode sempre ser aprimorado desde o ensino de base”, avalia Valmir de Souza.
“Oportunidades perdidas”
O empresário Anderson Belém, hoje à frente da Otimiza Benefícios, viveu essa realidade durante todo o seu processo educacional. Diagnosticado com TDAH e Altas Habilidades/SD Criativo Produtivo apenas aos 40 anos, ele avalia que sua caminhada foi repleta de mal-entendidos e oportunidades perdidas. “Desde cedo enfrentei dificuldades na escola. Não apenas acadêmicas, mas também sociais, como o bullying e a incompreensão dos professores e colegas. Isso me levou a desenvolver um temperamento agressivo como mecanismo de defesa, culminando em diversas situações problemáticas. Integrar alunos de educação especial em classes regulares é um passo positivo, mas requer um planejamento cuidadoso e sensível”, lembra.
Para ele, a proposta de preparar principalmente os docentes para lidar de forma adequada deve ser permanente. “É preciso desmistificar os transtornos, bem como a superdotação, e apresentar os benefícios da pluralidade e diversidade acima de tudo. Curiosamente a minha filha primogênita, Jessica, atua com criança diagnosticada com TEA (Transtorno do Espectro Autista) Nível de suporte 3, em escola particular. Ela é graduanda tanto em pedagogia quanto em psicologia, desenvolve sua pesquisa nessa área, é entusiasta do avanço da neurociência e pesquisadora sobre neurodiversidade e, ainda assim, é surpreendida frequentemente com o mundo particular apresentado pela mente TEA”, conta o empreendedor.
Ana Borges
Foto: Reprodução.
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