O democrata Joe Biden assume a presidência do país mais poderoso do mundo, do ponto de vista político e econômico, nesta quarta-feira, com o desafio de recuperar o prestígio da democracia. De tempos em tempos, desde a mais remota antiguidade, a democracia é testada por visões e práticas autoritárias, as quais colocam em xeque a potência no comando. Os ataques à democracia global contemporânea – entendida como aquela surgida com o sistema internacional global – tem como tema central o apelo antiglobalista e visa alcançar o elemento central do sistema avalizado no início século 20 pelos Estados Unidos da América: a capacidade de distribuir poder mundial por meio de tratados e organismos internacionais com competências definidas.
Não se trata de um desafio simples, tendo em vista que os Estados Unidos da América se afastaram perigosamente do caminho de fortalecer o multilateralismo como o principal pilar da democracia global contemporânea, sobre o qual o sistema foi erigido. Pelo menos desde os anos 1970, a prática norte-americana buscou retirar significado às estratégias multilaterais, o que se pôde verificar em claras ações no âmbito dos principais organismos da ONU, em especial o Conselho de Segurança. Resultado dos embates com a antiga União Soviética, os Estados Unidos recusaram-se a apoiar um sistema que favorecia o diálogo mundial em bases mais simétricas que a assimetria econômica autorizava. Em termos práticos, importava neutralizar as intenções de organizações internacionais tendentes ao compartilhamento de informações, à disseminação de práticas internacionais definidas em bases de consensualidade internacional (diferentemente daquelas definidas pela principal potência econômica) e sobretudo a criação de organismos de solução de controvérsias internacionais, em especial os tribunais internacionais. Foram necessários pelo menos dois grandes genocídios com repercussões mundiais, na Antiga Iugoslávia e em Ruanda, na década de 1990, para que o sistema criasse tribunais penais ad hoc e o Tribunal Penal Internacional.
É muito provável que a reação de setores conservadores norte-americanos à globalização seja resultado de sua perda considerável de poder econômico e político. Mesmo com a superioridade militar assegurada, é evidente que os Estados Unidos da América têm dificuldades orçamentárias na condução do que restou de Pax Americana. Essas limitações ficam mais evidentes no momento em que a China demostra ter uma pujança econômica capaz de contribuir para a instalação ou ampliação de infraestrutura produtiva em diversos países do mundo, inclusive aqueles que se encontram muito distantes do país asiático, enquanto os Estados Unidos, não.
Com a chegada de Biden ao poder, dois desafios improváveis se impõem ao presidente norte-americano, os quais não exigiriam grandes gastos econômicos. Os desafios são improváveis porque nada garante que haja vontade pessoal e nacional de contribuir para sua realização, mas também porque os cenários nacional norte-americano e internacional são conturbados o suficiente para que se concretizem. Embora improváveis, os desafios são necessários, uma vez seja central o compromisso com a restauração dos valores democráticos no mundo.
O primeiro desafio que pontuo como importante diz respeito à ampliação das capacidades de organismos internacionais vinculados à ONU, muito em particular a Organização Mundial da Saúde. A OMS tem estado no centro do debate mundial tendo em vista a pandemia causada pelo Sars-cov-2 que se abate sobre o mundo com consequências nunca vistas. A potencialização de uma política mundial de saúde contribuiria para que o sistema econômico tivesse mais e melhor previsibilidade sobre a ocorrência de doenças com potencial de se tornarem pandêmicas. Um organismo mundial de saúde rebustecido em suas capacidades de desenvolver e concentrar resultados de pesquisa, monitorar ocorrências, produzir e divulgar dados de impacto e formular e disseminar boas práticas tornaria o mundo um ambiente mais seguro.
O segundo desafio, de ainda mais difícil posta em prática, porquanto alcança o âmago imperial, diz respeito à ampliação das capacidades de tribunais internacionais, seja em nível regional ou global. A pretensão soberanista dos Estados Unidos da América já não se justifica (se é que um dia se justificou) e fez com o país tenha insistido em se manter à margem do sistema que avalizou no início do século 20: nunca aceitou a competência contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos e, além de nunca ter aceito, agiu para minar as bases do Tribunal Penal Internacional. Em ambos os casos, o receio é de perder grau de soberania, a mesma que não se aplicaria aos demais estados nacionais. Sendo passível de ser julgado por uma corte regional de direitos humanos, o país demonstraria compromisso com o sistema internacional multilateral e com os direitos humanos para além da retórica. Acedendo à competência do Tribunal Penal Internacional, o país permitiria contribuir não apenas para minimizar a prática de crimes internacionais por parte de suas tropas, como daria fôlego para para que o tribunal agisse contra criminosos internacionais, incluindo os governantes que agem com desdém em relação à democracia mundial. A própria reconfiguração do crime de genocídio seria necessária para evitar que mandatários inescrupulosos colocassem em risco a vida de seus nacionais em situações relacionadas à saúde e ao meio ambiente.
Com essa improvável reviravolta na política internacional dos Estados Unidos da América, Biden contribuiria para a reativação da crença no sistema internacional democrático e nos direitos humanos, passando o entendimento de que os direitos humanos não são apenas para os outros, começam em casa. O conceito de Pax Americana, até então combalido, teria chances de se recuperar.
Por: Jayme Benvenuto Lima Junior
Fonte: Correio Braziliense
Fonte: www.diariodepernambuco.com.br/noticia/opiniao/2021/01/os-desafios-improvaveis-de-biden.html
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