“Várias pessoas que poderiam estar aqui do meu lado não existirão nunca. São os netos que eu não tive. Quando se mata uma pessoa, é muito para além dela. Você mata tudo o que aquela pessoa poderia ter feito em vida. Nunca mais vai ser a mesma coisa. Hoje, eu sei que a plenitude acabou.” O depoimento é da autora e novelista Gloria Perez no documentário “Pacto Brutal: o assassinato de Daniella Perez”, morta aos 22 anos por um crime que hoje as leis brasileiras reconhecem como crime de feminicídio.
O depoimento que abre esta reportagem poderia ser de tantas outras mães, pais e filhos que perderam, de forma trágica e cruel, aquelas que foram vítimas em razão da única e exclusiva condição: a de serem MULHERES.
Mulheres que não conseguiram ser ouvidas ou que não tiveram tempo de pedir ajuda porque pensaram que “o pior não poderia acontecer”, pois acharam que o pedido de perdão era sincero e que aquele ato de violência, meses atrás, não iria mais se repetir. Mulheres que pensaram que a insistência daquele colega de trabalho ou da faculdade era apenas uma paixão platônica e que iria passar depois de uma recusa.
Mulheres que acreditaram no amor, em um relacionamento saudável e feliz, mas que não conseguiram perceber quando o encanto acabou, no primeiro ato de desrespeito. Foi assim com Claudinéia Brito da Silva, a primeira vítima de feminicídio de 2023, em Campo Grande. Aconteceu também com Josefina Gonzales, 23 anos, morta a facadas pelo ex-companheiro, na presença dos três filhos menores do casal, em Sidrolândia/MS; e com tantas outras mulheres que poderiam estar com seus pais, irmãos, filhos e amigos.
De acordo com o Monitor da Violência do Portal G1 e com o Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV-USP), o Brasil registrou, no ano passado, 1.410 casos de feminicídio. Em média, uma mulher foi assassinada a cada 6 horas no País por ser mulher. Houve um crescimento de 5% em comparação a 2021. É o maior registro de casos desde que a Lei do Feminicídio entrou em vigor, em 2015.
O que podemos fazer para mudar essa realidade? Que medidas necessárias e urgentes podem ser feitas para salvar essas mulheres que vivem em situação de violência doméstica e familiar?
De 2021 até os primeiros meses de 2023, MS registrou 81 vítimas de feminicídio, 80% delas não tinham medida protetiva
A Promotora de Justiça da 72ª PJ, em atuação na Casa da Mulher Brasileira, e Coordenadora Adjunta do Núcleo de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar (NEVID/MPMS), Aline Mendes Franco, explica que o primeiro passo é a denúncia. É a partir dela que medidas são tomadas para a proteção da vida dessa mulher:
“Muitas mulheres não querem denunciar devido a uma série de fatores (medo, filhos, vergonha, dependência financeira, desinformação). É de primordial importância que essa mulher vítima de violência seja encorajada a denunciar e solicitar apoio da rede, se estiver em situação de risco e vulnerabilidade.
Se a mulher estiver em perigo imediato, deverá acionar a Polícia Militar ou a Guarda Civil Municipal de sua cidade urgentemente, para o atendimento da ocorrência, e buscar abrigo. Se estiver ferida, deverá primeiro procurar ajuda médica, para depois se dirigir à delegacia de polícia mais próxima, para registro da ocorrência policial. Mas o boletim de ocorrência pode ser registrado ainda que depois de dias ou meses após a prática da violência.
Ainda assim, caso ela necessite de uma medida protetiva de urgência e não deseje registrar ocorrência, deverá procurar a Promotoria de Justiça ou Defensoria Pública ou um advogado. Para atendimento médico e psicológico, basta procurar a unidade de saúde pública e a assistência social do município ou a Casa da Mulher Brasileira, onde houver.”
A Promotora de Justiça esclarece ainda que é preciso confiar na rede de proteção criada para amparar essa mulher que muitas vezes acredita que a Justiça ou os órgãos de proteção não podem fazer nada por ela. A Lei Maria da Penha, por exemplo, prevê medidas protetivas que podem auxiliar essa mulher durante o período da violência. As Medidas Protetivas de Urgência – MPU são medidas judiciais que podem ser solicitadas pela mulher em situação de violência doméstica, independentemente do registro do Boletim de Ocorrência (BO).
De acordo com o Dossiê Feminicídio do MPMS, das 59 vítimas de feminicídio tentado e consumado, em 2023, 96,6% não tinham medida protetiva. Se analisarmos um período de nove anos (2015-2023), das 738 vítimas de feminicídio consumado e tentado, no Estado de MS, 84% não possuíam medida protetiva.
As medidas protetivas de urgência são o mecanismo de proteção mais importante da Lei Maria da Penha
As pessoas tendem a descreditar na eficácia das medidas protetivas, diante de notícias de crimes de feminicídio. No entanto, elas são mecanismos importantes, pois é a partir delas que a Justiça age para impedir que o agressor se aproxime da vítima ou para garantir a ela sua segurança e a proteção dos seus bens e de sua família.
“As medidas protetivas de urgência são o mecanismo de proteção mais importante da Lei Maria da Penha. São medidas determinadas por decisão judicial que restringem o acesso do autor da violência à vítima, determinam o afastamento dele do lar, proíbem o contato pessoal e virtual dele com a vítima, suspendem a posse e o porte de arma de fogo, se houver, além de outras previstas no artigo 22 da Lei; e o descumprimento delas importará na prática de crime, além da aplicação de medidas protetivas mais severas, como a monitoração eletrônica por tornozeleiras e até mesmo a prisão. Também é função do Ministério Público fiscalizar a rede de atendimento da mulher, com o fim de assegurar que ela realmente funcione”, explicou a Promotora de Justiça Aline Mendes Franco.
Denunciar e buscar ajuda às mulheres em situação de violência é um papel de todos
Em uma sociedade em que quatro mulheres são mortas por dia, buscar ajuda e denunciar atos de violência é imprescindível para que esse número diminua. O Ministério Público atua de forma incessante pela proteção da mulher vítima de violência doméstica e está presente em todo o Estado de Mato Grosso do Sul, com atuação incansável dos Promotores de Justiça.
Em Campo Grande, a 72ª Promotoria de Justiça atua na Casa da Mulher Brasileira junto a outros órgãos de acolhimento e proteção. Como a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), que funciona 24 horas por dia, sete dias da semana.
A Casa da Mulher Brasileira localiza-se na Rua Brasília, 85, Jardim Imá, em Campo Grande – MS.
Em casos de urgência, ligue no 190 e acione a Polícia Militar. Em casos de denúncias anônimas, ligue 180.
Texto: Ana Carolina Vasques/Jornalista-Assecom MPMS
Imagem: Marketing Assecom MPMS
Foto: Divulgação / Internet
Tags: Denunciar, mulheres, Silêncio, Violência doméstica
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