A criação de partidos políticos por dissidência, como a crise no PSL que culminou na desfiliação do presidente Jair Bolsonaro para criar o Aliança pelo Brasil, é capítulo de uma história antiga na política brasileira. Foi assim com o PSDB, que surgiu por desacordos no MDB nas discussões sobre a Constituição de 1988. Também é a raiz do DEM, fundado como PFL, por sua vez uma dissidência do PSD. À esquerda, o Psol foi fundado por descontentes com o PT.
O problema das dissidências é que elas complicam o cenário partidário e, naturalmente, dificultam a percepção política do eleitor. Se obtiver mais de 490 mil assinaturas em nove estados para o registro no Tribunal Superior Eleitoral, o Aliança pelo Brasil será o 36º partido brasileiro.
Além de aprofundar a fragmentação representativa, a multiplicação de partidos dificulta o espaço de atuação política da sociedade, que passa a precisar, cada vez mais, de intermediadores. É assim que se definem grupos e organizações políticas que começaram a despontar, sobretudo depois das manifestações de 2013.
Representantes de agremiações como a Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps), o Acredito, o Livres e o Movimento Agora afirmam que passaram a ocupar o espaço de formação, debate, criação de agendas e renovação em cargos eletivos. Não lançam candidatos, mas têm deputados, senadores e membros de executivos locais em suas redes e incentivam a participação política. A despeito da polarização que se intensifica no país, colocam legendas de diferentes espectros para debater, brigam por agendas e influenciam o jogo político.
Desgaste partidário
Esses movimentos procuram se distinguir da tradição partidária brasileira. Em sua maioria, as agremiações da “velha política” têm pouca ou nenhuma mobilidade e democracia interna, são geridas por empresários e políticos que agem como caciques e não apresentam clareza em suas ideologias e agendas. Para piorar, boa parte das siglas também promove a personalização política e instiga eleitores a votarem em pessoas em vez de planos. Um exemplo é o próprio presidente da República, que já passou por oito partidos, acabou de criar um e ainda assumiu a presidência da agremiação.
Doutor em Ciência Política pela universidade de Pitsburgo, na Pensilvânia, Estados Unidos, Lúcio Rennó acredita que esses movimentos e organizações têm capacidade até para elevar a qualidade das políticas públicas. “Já há algum tempo, isso não é específico do Brasil, os partidos vêm sofrendo um processo acelerado de desgaste. Diferentes formas de organização da sociedade civil, movimentos descentralizados, como os de agora, e até ONGs e participações políticas em redes sociais têm ocupado os espaços dos partidos”, explica.
“Temos um relacionamento com os partidos, pois entendemos que são importantes para a democracia, e não queremos substituí-los”, afirma Mônica Sodré, diretora executiva da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade, organização que surgiu em 2012 e cresceu depois das manifestações de 2013. “Somos a origem de boa parte desses grupos. A Tabata (Amaral – PDT-SP) estava conosco. O pessoal do Agora também passou pela Raps entre 2015 e 2016. Temos orgulho em abrir caminho para os movimentos que surgiram”, diz.
Qualificar o debate
Para participar da Raps, é preciso passar por um processo de seleção. Segundo Mônica, a procura cresceu de mil inscritos, em média, para três mil em 2018 e sete mil em 2019. “Não lançamos candidatos e não orientamos votos. Não tratamos membros como bancada. Nosso compromisso é qualificar. Trazer pessoas diferentes para conversas com dados, evidências e provocação de especialistas. Temos uma agenda mensal de trabalho com deputados e senadores. Em abril, discutimos o Fundeb; em maio, a segurança pública. Temos representantes da academia. Colocamos o Novo para conversar com o Psol para falar sobre os desafios da sustentabilidade”, explica.
O Livres começou no PSL, mas se separou da legenda em 2018, depois que o presidente da sigla, Luciano Bivar, fechou com Bolsonaro para a eleição. Eles se identificam como um grupo de renovação de pauta liberal nos costumes e na economia. O presidente do grupo, Paulo Gontijo, fala sobre a tentativa de construir consensos. “Fizemos comissão externa na Câmara para analisar os impactos econômicos de políticas públicas ambientais do governo federal, com o Acredito e o Agora”, exemplifica. “A gente ajuda a disseminar ideias, formar gente e cobra que as políticas públicas sejam feitas de acordo com nossos princípios e valores”, completa.
“Quando alguém tem um tema importante, a gente vai lá e cobra. Desde desburocratização de laqueadura e vasectomia, medicamentos feitos com canabidiol, até o PL do saneamento, liberdade econômica. São pautas que estão no nosso radar”, enumera Gontijo. “Esses grupos oxigenam a política com novas práticas, ideias e pessoas. Ajudam a melhorar o ambiente político. Hoje, temos associados eleitos por 10 partidos. Somos suprapartidários. Qualquer um pode se associar. É só entrar no site e preencher um formulário. Olhamos o histórico, posicionamentos, o que ela já fez. A uma pessoa que foi condenada, por exemplo, não cabe nosso selo”, afirma.
O coordenador nacional do Acredito, Samuel Emílio, também fala em renovação. “A principal diferença entre nós e os partidos é que não recebemos dinheiro do governo e não temos candidatos próprios. Somos um grupo da sociedade civil organizada, que se reúne em torno de valores. Hoje, a sociedade não se sente representada pelas instituições políticas. Os partidos não são transparentes de maneira geral. Não são democráticos. Não são inclusivos. Diante desse cenário, a sociedade não encontra canais para dar vazão à necessidade de engajamento político. E nós damos vazão a essa necessidade social. Uma parcela grande da população também tem preconceito com a política, e o movimento tem sido uma espécie de transição”, diz.
Em uma das últimas ações desses grupos, em 28 de agosto, a Raps articulou a reunião de nove ex-ministros do Meio Ambiente com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. O encontro aconteceu durante a série de queimadas na Amazônia. Os ex-chefes da pasta ambiental conseguiram de Maia o compromisso de não caminhar com pautas consideradas antiambientais na Casa. À época, o PL de Kim Kataguiri (Dem-SP), que mudava a legislação para pedidos de alvará ambiental, parou de tramitar, por exemplo.
O pacote social anunciado por Tabata e Rodrigo Maia na semana passada também teve a colaboração da PDTista e dos deputados Felipe Rigoni e Alessandro Vieira, todos participantes do Acredito.
O especialista Lúcio Rennó vê com otimismo o surgimento dos movimentos. “A existência deles muda o cenário de forma positiva, devido ao engajamento da população. Para os partidos políticos, apesar de ser uma competição de mobilização, eles são os órgãos oficiais de representação e intermediação de interesses junto aos poderes consolidados. Os movimentos viram grupos de pressão sobre os partidos, que não perdem o seu papel institucional. Eles vão ter que aprender a lidar com outras formas, outros grupos de pressão. É bom para a democracia”, pondera o cientista político.
Boas intenções
Rede de Ação Política pela Sustentabilidade
Em busca de “um Brasil solidário”, a Rede de Ação Política pela Sustentabilidade, também conhecida como Raps, busca a “reconstrução da identidade pública” ministrando cursos para “ensinar política”. Ajudou a eleger 16 deputados federais, 17 estaduais, três senadores e dois governadores.
Acredito
Criado por jovens brasileiros que estudaram em Harvard, nos Estados Unidos, o Acredito busca a “quebra de monopólio dos sobrenomes na política” e pretende “reaproximá-la da sociedade”. Atua no combate aos privilégios, à redução da desigualdade, estimula a economia competitiva e defende as políticas sociais.
Livres
Ao se definir como o “único movimento político brasileiro que defende a liberdade por inteiro”, o Livres preconiza o liberalismo econômico e social, atua para diminuir questões envolvendo raça, gênero e sexualidade. Política internacional e ideias sobre sustentabilidade também estão no estatuto da agremiação.
Movimento Agora
Une progressistas e liberais em busca de pluralidade na política brasileira. O argumento mais usado para o afrouxamento ideológico é a tentativa de amenizar “o desencanto dos eleitores com a política tradicional”.
RenovaBR
Ao se apresentar como “a primeira escola para políticos do país”, o RenovaBR demonstra interesse em fazer campanhas de baixo custo, com candidatos informados e treinados para não escorregar em declarações polêmicas, por exemplo, na corrida eleitoral.
Fonte: Correio Braziliense
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