O julgamento de um recurso de Sérgio Cabral no TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região) abriu a primeira brecha para que a pena de mais de 300 anos imposta ao ex-governador do Rio seja significativamente reduzida no futuro.
Em seu voto, aprovado por unanimidade pela Primeira Turma Especializada em outubro, Gomes considera que, “pelos meios empregados, condições de tempo, forma de execução e finalidade, os atos de lavagem aqui tratados e os demais examinados no processo Operação Calicute [primeiro contra Cabral] foram simultaneamente praticados, a indicar continuidade entre os processos”.
Ao considerar um crime continuado, a pena não é mais somada. Apenas a mais alta passa a ser levada em conta, com um acréscimo de, no máximo, dois terços. A interpretação pode levar a punição por lavagem de dinheiro, que atualmente somada supera 131 anos, se reduzir a pouco mais de 16 anos, a depender dos critérios adotados.
O cálculo final, contudo, ficará a cargo da Vara de Execuções Penais após o trânsito em julgado da condenação. Ele depende de uma complexa combinação e interpretação das condenações.
Também será objeto de discussão nos tribunais superiores.
Cabral já foi condenado 17 vezes em ações penais decorrentes da Operação Lava Jato e responde a outras 17 ações penais ainda sem sentença. As penas por seis crimes somadas já alcançam 332 anos, quatro meses e 18 dias.
Ele está preso preventivamente desde novembro de 2016. Em 2019, fechou acordo de delação com a Polícia Federal, sem pena ou regime de cumprimento estabelecidos.
O TRF-2 já julgou três apelações de Cabral, tendo publicado dois acórdãos acompanhados dos votos vencedores.
O voto em que Gomes reconhece o crime continuado refere-se ao processo da Operação Mascate, na qual o ex-governador é acusado de lavagem de dinheiro por meio de concessionárias de automóveis. Nessa ação, os juízes da turma especializada decidiram reduzir a pena de 13 anos para 10 anos e 10 meses.
A interpretação do colegiado sobre o cálculo da pena se refere apenas ao crime de lavagem de dinheiro, que atualmente representa cerca de 40% do somatório da condenação de Cabral (131 anos, 7 meses e 15 dias).
A decisão é uma mudança em relação ao acórdão do TRF-2 que confirmou a primeira condenação de Cabral feita pelo juiz Marcelo Bretas. Nele, o tribunal considerou separadamente três formas de lavagem de dinheiro, que somadas impuseram uma pena de 24 anos e 4 meses.
A mudança de critério gerou dúvidas entre procuradores sobre o efeito total nos mais de 131 anos de pena por esse crime. Um dos cálculos indica que o volume pode ser reduzido a cerca de 16 anos e 8 meses.
A decisão, porém, deixou membros da força-tarefa da Lava Jato preocupados sobre o que pode ocorrer nos próximos julgamentos também em relação às condenações por corrupção. Teme-se que a mesma interpretação sobre o cálculo da pena se dê nesse crime, que representa quase metade do total aplicado ao ex-governador.
O advogado Márcio Delambert, que representa Cabral, afirmou que “o TRF2 reconheceu pela primeira vez que a condenação nesses autos da Operação Mascate já estava compreendida no processo da Operação Calicute e as penas deverão ser unificadas quando do seu trânsito em julgado”.
A redução da pena é um objetivo de longo prazo da defesa de Cabral. O somatório impacta na progressão do regime, como ida para o semiaberto.
A principal meta, atualmente, é a soltura do ex-governador. Há quase um ano, Delambert vem tentando a liberdade em razão do acordo de colaboração premiada firmado com a PF, homologado pelo ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal).
O acordo não estabeleceu a pena a ser cumprida nem em que regime, porque a PF não tem o poder de definir esses requisitos em suas delações. Contudo, o advogado busca argumentar que, pelo fato de Cabral ser um colaborador reconhecido pelo STF, não há mais risco de cometimento de novos crimes –motivo para a prisão preventiva.
A delação do ex-governador, contudo, se enfraqueceu após o ministro Dias Toffoli, do STF, determinar o arquivamento dos inquéritos abertos a partir do acordo, sem qualquer investigação.
Pesam contra Cabral quatro mandados de prisão preventiva, que devem ser derrubados um a um para que ele seja solto.
Em sua delação, Cabral confessou que cobrava 5% de propina sobre os grandes contratos do estado durante sua gestão (2007-2014).
Ele reconheceu ser dono dos cerca de US$ 100 milhões depositados em contas no exterior em nome de doleiros. Também devolveu 24 joias que estavam escondidas desde a operação que o prendeu, em novembro de 2016.
Fonte: Notícias ao Minuto
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