Com equipamentos de proteção individual (IPI) aquém do necessário e precários, marcas do desgaste de 10 dias combatendo o maior incêndio registrado no Parque Nacional da Serra do Cipó, também na Região Central do estado, sem tempo nem de descansar, voluntários – a maioria entre os que combatem as chamas – debela por terra linhas assustadoras de fogo. Já no início da manhã, íamos da vila em direção às linhas quando avistamos as chamas. Logo o grupo salta da 4×4 e começa os trabalhos antes do dia raiar. Rapidamente, uma equipe de quatro brigadistas, todos nativos, varreu as chamas com água, abafadores e muita comunicação verbal e visual.

Eles seguem as instruções de Cristiano, que no dia anterior ordenou descanso para todos até a chegada de reforços de outras brigadas e, também, do Corpo de Bombeiros que, com apoio aéreo e logístico, faz toda diferença no sucesso da batalha contra as labaredas.

Grupo se prepara para entrar em ação: entre as dificuldades, escassez de alguns equipamentos de proteção e precariedade de outrosGrupo se prepara para entrar em ação: entre as dificuldades, escassez de alguns equipamentos de proteção e precariedade de outrosSegundo a cartilha dos brigadistas, um faz a segurança do outro e essa vem em primeiro lugar, certo? Deveria ser, mas no que se refere ao termo “segurança” ali não há nenhuma. Vale mesmo o companheirismo unânime, “principalmente depois de passar por uma situação destas”. Como repórter em ação, vi esses heróis sendo “um o ombro do outro”, exatamente como disse seu líder, que ainda reforça: “Seu companheiro tem que estar do seu lado. Contato visual, jamais perder. A nossa roupa é amarela exatamente para facilitar o contato visual. Então, se eu estiver lá em cima com qualquer um que seja, um é salvaguarda do outro, não pode perder de vista”, afirmou.

Durante todo o dia, uma luta dura contra o fogo foi travada com a ajuda da aeronave Air Tractor e de veículos de apoio logístico do Corpo de Bombeiros, que só chegou no final da tarde de ontem. Mesmo com dificuldades, nenhum guerreiro “arreda” dali, como dizem no linguajar do local, carinhosamente chamado de “Lapim”. “Sempre combatemos incêndio com o que tem. Agora, temos equipamentos do parque, mas sempre resolvemos aqui do jeito que a gente sabe”, conta Djalma Domingos Ferreira, nativo da Lapinha que, na falta de um abafador “apaga com ramo mesmo. Se o equipamento falhou ou danificou, a gente usa o que tem na natureza mesmo, pois é pra salvar o planeta”, frisa ele com as roupas e as mãos sujas de fuligem.

Ao final da tarde, devido ao calor e ao vento, os focos aumentaram e o perigo avançou em direção às casas localizadas na Lapinha de Cima. Apesar de não de haver ameaça, por enquanto, de incêndio na vila, o ar do distrito já está todo enfumaçado. Durante o dia, todos tentam defender casas e nascentes. “Queimar já vai, vamos salvar o que puder e levará mais de 200 anos para regenerar a vegetação com algumas árvores”, disse uma brigadista, indignada com fogo que, para ela e para muitos ali, é de origem criminosa. Perto dali, outro companheiro se deita sobre seu equipamento para tentar fugir da fumaça e do calor, já que na mochila costal tem água.

Ao final daquela manhã, peguei carona em uma moto para voltar e escrever a reportagem. Na estrada, fomos surpreendidos pelo fogo forte nas duas margens. Não houve tempo para vacilar: o brigadista Tomaz Dayrell, guerreiro essencial para o lugar e eu, sem titubear, saltamos da moto em movimento para evitar o contato direto.

Ainda ofegante pela adrenalina e com as sobrancelhas chamuscadas, Dayrell lançou outro fundamento, que salvou a nossa vida. “O fogo muda e caminha muito rápido”, já trocando uma “cotovelada amiga”, o gesto de cumprimento em tempos de pandemia do novo coronavírus, para sinalizar que, assim como todos os que combatem lado a lado um incêndio desses, terá sempre a cumplicidade do camarada, como soldados que lutam juntos em uma guerra.

© Leandro Couri/EM/D.A PressProcurados na tarde de ontem, os bombeiros informaram que há uma extensa linha de fogo de aproximadamente dois quilômetros na Lapinha da Serra. São 11 militares e 25 brigadistas atuando em conjunto no local. Eles contam com apoio de dois aviões Air Tractor para combater as chamas. Até o fechamento desta edição havia três frentes de atuação em Santana do Riacho, localizadas nas regiões de Três Irmãos, Oeste e Leste.

Segundo a corporação, ainda não é possível precisar a área queimada. Um georreferenciamento será feito “em momento oportuno”. Para hoje, o início das atividades dos bombeiros foi planejado para as 4h30. Além disso, os militares vão coordenar o combate aéreo para locais sem acesso, como as encostas das serras.

Ainda ontem, os bombeiros informaram que uma pequena chuva atingiu a região. “É preciso entender que nesse tipo de ocorrência as tomadas de decisão são modulares e flexíveis, assim, com uma mudança de vento ou temperatura, a situação pode ser agravada”, informou a corporação.  (Colaborou Gabriel Ronan)

Fonte: Estado de Minas.