Em 15 dias, o Pantanal registrou mais da metade das queimadas ocorridas durante todo o ano de 2019. Somente nas duas primeiras semanas de setembro de 2020, o bioma teve 5.324 focos de calor, o equivalente a 53% das 10 mil queimadas registradas no Pantanal no ano passado.
Os dados contabilizados pelo Yahoo! Notícias, disponíveis no Programa Queimadas do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), levam em consideração o período do dia 1º a 15 de setembro deste ano.
Dos 15 milhões de hectares do Pantanal, estima-se que quase 3 milhões – o equivalente a 19,3% – já tenham sido queimados pelo fogo.
Nos dois dias seguintes, 16 e 17 de setembro, foram mais 279 novos focos de queimadas, fazendo com o mês chegasse a 5.603 pontos de calor, número quase três vezes acima da média para o mês. Na comparação com o mesmo período de 2019, o aumento das queimadas nos 17 dias de setembro é de 170%. De 1º a 17 de setembro do ano passado, o Pantanal teve 2.068 focos de incêndio.
Até então, os meses com mais queimadas no bioma são setembro de 2007 (5.498), já ultrapassado; agosto de 2005 (5.993) e agosto deste ano (5.935). Pelo ritmo diário de registro de fogo, setembro de 2020 será com folga o mês com o maior número de queimadas já registrado em toda a história.
O diretor-executivo do Instituto SOS Pantanal, Felipe Augusto Dias, afirma nunca ter visto antes um avanço tão crítico das queimadas sob o bioma.
“Ano passado também tivemos bastante focos de incêndios, mas nunca tanto quanto este ano. Antes, os focos eram espalhados, não eram concentrados. Mas agora não, nunca tinha visto queimadas nessa proporção”.
A última estimativa é que a maior planíce alagável do mundo já teve quase 20% da área total consumida, segundo o monitoramento feito pelo instituto em parceria com o LASA (Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais), da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Dos 15 milhões de hectares, 2,9 milhões já foram queimados pelas chamas – que seguem se alastrando. A área queimada corresponde, por exemplo, a mais de três vezes a Região Metropolitana de São Paulo, que abriga 39 municípios, ou quase 20 vezes a área da capital paulista.
O bioma é dividido entre os estados de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, que possuem 65% e 35% de seu território, respectivamente. Os dois estados decretarem estado de emergência em decorrências dos incêndios.
Apesar de concentrar a menor parte da área pantaneira, as queimadas deste ano estão acumuladas no Mato Grosso.
“Em 2019, tínhamos focos mais em Mato Grosso do Sul, mas agora eles estão concentrados em Mato Grosso”, relata Dias, da base do SOS Pantanal em Porto Jofre (MT). A sede do instituto fica em Campo Grande (MS), mas a convergência das chamas no estado vizinho fez com que a equipe se deslocasse para lá no começo desta semana.
Mato Grosso concentra, em 2020, 88,3% dos focos de queimadas no Pantanal registrados para o mês de setembro. São 4,7 mil incêndios agrupados nas cidades de Barão de Melgaço, com 1.928 focos; Poconé, com 1.212 focos; Cáceres, com 724 focos; e Santo Antônio do Leverger, com 710 focos.
É no município de Poconé, mais especificamente na região de Porto Jofre, que está localizado o Parque Estadual Encontro das Águas, considerado o lugar com a maior concentração de onças-pintadas do mundo. Nas últimas semanas, no entanto, o santuário se transformou em uma área de risco aos felinos.
Dos 108 mil hectares da reserva, 91,8 mil hectares – o correspondente a 85% – foram atingidos pela chamas até o momento, segundo o Prevfogo (Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais).
“Hoje é praticamente uma “ilha” que não pegou fogo no parque. Por lá, a gente encontra antas queimadas, onças queimadas. Nosso problema agora é resgate e alimentação desses animais, por que ali perdeu todos os frutos. Então nos locomovemos para cá (Porto Jofre) para ajudar na alimentação, água, há caminhões pipa levando água para dar aos animais”, explica Dias.
A fauna nativa do Pantanal é uma das mais diversas do mundo, com 1.200 diferentes espécies de animais, das quais 36 estão ameaçadas de extinção.
FAUNA ATINGIDA E SUSPEITA DE AÇÃO HUMANA
Nas imagens que correram o mundo, onças, cobras, macacos, cobras e até jacarés aparecem mortos carbonizados ou acuados pelo desastre ambiental causado pelo fogo. Os que conseguem fugir das queimadas trazem machucados ou têm de lidar com a falta de alimento.
“Vimos macacos mordendo galhos secos por não ter o que comer, é uma cena que assusta. Mas também vimos onças saudáveis, deitadas na beira do rio em uma sombra. Então sabemos que vários animais também conseguiram se salvar, mas tiveram de ir para outros locais”, conta o diretor do SOS Pantanal.
Já na área do Pantanal localizada em Mato Grosso do Sul, a principal região que concentra os focos de incêndio é Corumbá, com 567 pontos de queimadas em setembro.
Foi em Corumbá, e na capital do estado, Campo Grande, que a PF (Polícia Federal) cumpriu 10 mandados de busca e apreensão na operação batizada de Matáá, na segunda-feira (14), na tentativa de identificar os responsáveis por promover as queimadas.
A suspeita dos investigadores é que os fazendeiros intecionalmente atearam fogo e iniciaram um incêndio que atingiu 25 mil hectares em áreas de preservação na região da Serra Amolar, no Pantanal sul-mato-grossense. O motivo seria abrir espaço para criação de área de pasto onde antes era mata nativa.
“As queimadas começaram em fazendas da região, em espaços inóspitos, dentro das fazendas, onde não há nada perto, o que nos faz entender que não pode ser acidente. Teoricamente, alguém foi lá para isso (colocar fogo)”, afirmou o delegado da PF Alan Givigi, que conduz investigações.
PORQUE AS QUEIMADAS ACONTECEM NO PANTANAL?
A relação do Pantanal com o fogo não é de conflito e sim de coexistência. Usado para manejo de plantações e limpeza de algumas áreas, o fogo é considerado uma “cultura”, desde que aplicado de maneira consciente e controlada.
“O fogo é importante para o Pantanal, e já existia ante. É uma coisa cultural pra manejo de pastagem, é previsto em lei, um hábito que, se utilizado na época adequada, é eficaz”, explica Dias. Contudo, as queimadas nas atuais proporções aconteceram por uma combinação de fatores, segundo ele.
Seca extrema
O primeiro deles é o período de seca intensa. A pior em 47 anos.
O Pantanal é uma planície alagável localizada na Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai, variando entre períodos de cheia, de outubro a abril, e de seca, de maio a setembro.
Nos tempos de cheia, os rios da Bacia do Alto Paraguai sobem de nível e inundam milhares de hectares do bioma. E na seca, recuam e abrem novas áreas úmidas, que vão secando conforme o passar dos meses.
Contudo, o volume de chuvas neste período de cheia deste ano foi 40% menor que o ocorrido em anos anteriores, segundo a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) Pantanal. O nível da água no Rio Paraguai, o principal da bacia pantaneira, era de 2,10 metros em junho, mês considerado o pico da seca. A média para esse mês, segundo a Embrapa, é de 5,6 metros.
“Esses ciclos de secas muito extremas e cheias muito extremas ocorrem a cada 7 a 10 anos, então é algo normal nesse contexto. Mas como houve uma diminuição acentuada dessa inundação, muitas áreas que estariam com água estava secas, com materiais que permitem que o fogo se espalhe”, explica o diretor do instituto.
Ventos e queimadas no ‘subsolo’
Fatores “invisíveis” também contribuem para o avanço das queimadas na região. São os ventos e as queimadas por debaixo da vegetação, praticamente dentro do solo pantanoso.
Os ventos, mais fortes onde a região é descampada, ditam o ritmo e a direção das chamas e “empurram” o fogo para onde estão soprando. “Na beira da Transpantaneira, vimos uma pequena chama, uma coisa que apaga com o pé. Descemos do carro, fomos lá apagamos com o pé. Viramos as costas, bateu um vento e ‘vuf’, acendeu de novo”, ilustra Dias.
Já o fogo subterrâneo ocorre devido à formação do solo do Pantanal, composto por camadas de vegetação e de terra, consequência do período de cheias e secas.
Quando alguma queimada intensa chega a essa profundidade do solo, as chamas se espalham e consomem essa matéria orgânica inflamável e depositada em baixo da vegetação. Quase imperceptível, o fogo subterrâneo pode manter-se por dias, e até mesmo semanas, até encontrar uma fresta para voltar à superfícia e se alastrar novamente.
“O fogo no Pantanal ele também fica dentro do solo. Ontem (quarta-feira), quando voltávamos do Porto Jofre, uma brigada de incêndio estava com uma moto-bomba puxando água do rio e jogando em uma área onde tinha fogo. E joga água, joga água, joga água. Quando parou, começa a sair a fumacinha de novo. O fogo no Pantanal não é chegar abanar e apagar”, explica ele.
Dificuldade no acesso às áreas e ‘negação’ do governo
Outros dois motivos apontados por Dias é a dificuldade no acesso às regiões com queimadas no Pantanal e a postura do governo de Jair Bolsonaro em negar ou negligenciar que a situação dos incêndios florestais no bioma esteja tão crítica quanto realmente está.
A respeito do primeiro fator, o meio de transporte predominante no Pantanal são os barcos. Com os rios em época de seca, a navegabilidade fica comprometida já que é preciso ter cuidado com os bancos de terra, diminuindo a velocidade com que se pode chegar aos focos de queimadas.
“Muitas vezes, essas chamas acontecem em áreas de difícil acesso, e até a equipe brigadista chegar ou a corporação dos Bombeiros já foram mais ou menos 2 dias de queimadas”, exemplifica o diretor do SOS Pantanal.
Por fim, o governo tem adotado uma posição negacionista a respeito da realidade do violento avanço das queimadas sob o bioma pantaneiro.
Nesta quinta-feira (17), Bolsonaro disse que o “Brasil está de parabéns” pela forma como preserva o seu meio ambiente. Um dia antes, na quarta (16), classificou como “desproporcionais” as críticas ao governo brasileiro quanto aos incêndios ambientais.
Já o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, admitiu que a situação no Pantanal tomou uma proporção “gigantesca” e que o prejuízo é grande. No entanto, não abandonou as críticas ideológicas ao culpar os órgãos ambientais pela resistência ao uso do fogo controlado e do bloqueador químico de fogo.
“O governo representa, para uma parcela da população, pessoas que são líderes, que tiveram a confiança e o voto deles. Portanto, confiam no que estão dizendo e consequentemente desconfiam de todos os outros que dizem no sentido contrário. Cobrir o Sol com a fumaça, nesse caso, é negação. O governo tinha que ter uma polícia de transparência e na área ambiental é totalmente o contrário”, argumenta Dias.
SOLUÇÃO PASSA POR CHUVAS E CONSCIENTIZAÇÃO
De imediato, o problema das queimadas no Pantanal só seria resolvido, segundo Dias, com uma chuva forte e constante, por alguns dias pelo menos. O governo de Mato Grosso do Sul afirma que há a expectativa de chuva na região para os próximos dias.
No entanto, os meteorologistas acreditam que somente a partir de outubro deve haver chuvas contínuas – quando há registro de vários dias chuvosos. “Temos previsão da meteorologia de umas pancadas de chuva para Mato Grosso do Sul para os próximos dias. Mas lá já choveu também há 20 dias. O problema continua sendo a região de Mato Grosso”, adiantou Dias.
Apesar do anúncio do governo federal do investimento de R$ 3,8 milhões para ações de combate a incêndios na região, especialistas afirmam que a ausência de planos efetivos contra as queimadas por parte dos órgãos responsáveis pode significar, além da perda do biomas, um desperdício de dinheiro.
“Até agora eu não vi nenhuma sinalização do governo federal de ter um planejamento real no sentido de como vão lidar com essa situação. Você precisaria ter uma equipe de resgate de fauna, que até agora esta sendo praticamente voluntária. Tem que ter apoio para as comunidades locais que estão sendo afetadas. Como essas pessoas vão sobreviver depois disso, com o bioma danificado?”, indaga a bióloga Carina Pensa.
Mais do que investimentos diretos – que também são necessários – o diretor do SOS Pantanal aposta na conscientização e capacitação das populações locais.
“Estamos trabalhando agora na ideia de planejar para o ano que vem a produção de material para as pessoas entenderem os riscos do uso errado do controle do fogo, para terem formas de se prevenir, de antecipar. Além de capacitar pessoas locais como brigadistas para que possam já atuar de imediato em caso de uma emergência”, completa.
Fonte: Yahoo
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