A roda de conversa reflexiva em mais um encontro revela histórias pautadas no machismo e na superioridade física masculina. Os participantes são homens que cometeram violência doméstica e foram encaminhados pela Justiça para entenderem, além da punição criminal, a gravidade de seus atos e uma forma de trilharem um caminho diferente.
Voltado a agressores, que estão sendo monitorados por meio de tornozeleira eletrônica e se encontram em cumprimento de medidas protetivas de urgência, o trabalho faz parte de um projeto desenvolvido pela Agepen (Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário) que busca prevenir a reincidência nos casos.
Denominada “Um Olhar Além da Vítima”, a iniciativa é promovida por meio de uma equipe multidisciplinar da UMMVE (Unidade Mista de Monitoramento Virtual Estadual) e consiste na realização de grupo terapêutico de reflexão, seguindo as diretrizes do projeto “Dialogando Igualdades”, desenvolvido pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul e sua Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica.
“Seu propósito é possibilitar ao monitorado, autor da agressão, a oportunidade de mudança de visão e comportamento, objetivando a responsabilização e a redução da reincidência em relação à violência doméstica e familiar”, explica a psicóloga da Agepen, Luciana Mendes, responsável por conduzir os trabalhos juntamente com os psicólogos Kenzo Correa Mochizuke e Luciano Caetano da Silva.
Os temas são trabalhados por meio de atividades em grupo e têm caráter reflexivo, psicoeducativo e de comparecimento obrigatório, conforme previsto na Lei Maria da Penha. O grupo é aberto, sendo formado com, no máximo, 16 participantes, em um total de 16 encontros, que podem durar até 4 meses. Por ser uma situação sigilosa, até para preservar a identificação das vítimas, nem fotos ou vídeos são permitidos durante as reuniões.
Paulo, de 47 anos, é um dos participantes do grupo e atribui ao alcoolismo, remédios controlados e à depressão a violência cometida. Em seu 10º encontro, ele afirma que a participação tem o ajudado muito em enxergar a gravidade de suas atitudes e a necessidade de adotar uma nova conduta. “Dão um norte para seguir esse caminho, pegam na nossa mão, para que a gente possa caminhar até esse porto seguro, ter uma boa convivência com a família, com a sociedade e não cair mais no erro”, garante.
Idealizador do projeto, o diretor da UMMVE, Ricardo Teixeira de Brito, comenta que a ideia “nasceu de um sonho e de uma necessidade de trabalhar o agressor para que ele não volte a reincidir”, após palestra do Poder Judiciário sobre o tema. “Nosso propósito é salvar vidas”, assinala.
Teixeira destaca que, mesmo seguindo a filosofia do “Dialogando Igualdades”, para ser colocado em prática com os monitorados, o projeto foi formatado pela assistente social Ana Cristina Dutra de Barros Nogueira e a psicóloga Lígia Gonçalves, servidoras da Agepen que atuavam na parte de assistência da UMMVE quando a proposta foi lançada em 2019.
Desde o início, 55 agressores foram encaminhados pela Justiça para participar do grupo reflexivo, número que acabou sendo prejudicado em decorrência das restrições impostas pela pandemia da Covid-19. Atualmente, 14 homens participam dos encontros, que ocorrem uma vez por semana, com duas horas de duração, na CIAP (Central Integrada de Alternativas Penais) da Agepen.
Regime Fechado
Assim como o projeto voltado a agressores monitorados com tornozeleira, um trabalho semelhante é realizado no Centro de Triagem “Anísio Lima”, unidade de Campo Grande que abriga o maior número de custodiados em regime fechado presos pela Lei Maria da Penha.
O projeto “Por Respeito à Igualdade” também se baseia na ação da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica do Tribunal de Justiça.
“A proposta é internalizar hábitos de comportamentos assertivos, por meio de reflexões e trocas de experiências; a ideia é priorizar como resultado um melhor convívio no seio familiar e social, e, consequentemente, alcançar o declínio da reincidência em crimes desta natureza”, esclarece o psicólogo Kenzo, que coordena as atividades no Centro de Triagem.
Keila Oliveira e Tatyane Santinoni, Agepen
Tags: AGEPEN, Violência doméstica
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