Num momento em que o país precisa de união para combater a pandemia do coronavírus — responsável por 57 mortes e mais de dois mil infectados até agora no país —, os governos federal e estaduais estão com relações abaladas. Com uma postura de minimizar a Covid-19 e criticar medidas tomadas por estados e municípios para evitar a disseminação da doença, o presidente Jair Bolsonaro entrou em conflito com quase todos os chefes de Executivos dos entes federativos.
Depois de criticar — em pronunciamento em rede nacional, na terça-feira — os governantes que fecharam comércio e escolas, Bolsonaro voltou à carga ontem. Chamou a atitude de chefes de Executivos de “demagogia barata” em cima da crise. Os alvos principais dele foram Wilson Witzel (PSC), do Rio de Janeiro, e João Doria (PSDB), de São Paulo. “Para esconder outros problemas, se colocam junto à mídia como os salvadores da pátria, como messias que vão salvar os seus estados e o Brasil do caos. Fazem política o tempo todo”, disparou, à porta do Alvorada, ontem. “O que estão fazendo no Brasil, alguns poucos governadores e alguns poucos prefeitos, é um crime. Eles estão arrebentando com o Brasil, estão destruindo empregos. E falam: ‘Ai, a economia é menos importante do que a vida’. Cara-pálida, não desassocia uma coisa da outra. Sem dinheiro, sem produção, o povo do campo também vai deixar de produzir. Nós vamos viver do quê?”
O presidente, por sua vez, disse que, em 2022, ano de eleições para a Presidência, Doria poderá “destilar todo o ódio e demagogia”. “Vossa excelência não é exemplo para ninguém. Não aceito, em hipótese alguma, essas palavras levianas”, rebateu.
Já Witzel, após a videoconferência, evitou críticas a Bolsonaro. Ainda assim, em entrevista coletiva, reiterou pedido para que a população fique em casa até o próximo dia 4, quando será reavaliada a situação do Rio de Janeiro, com possibilidade de ajuste nas atividades produtivas.
“Não queremos acabar com as empresas, exterminar empregos. Queremos preservar vidas. Ressuscitar a economia, a gente consegue. Ressuscitar quem morreu é impossível”, argumentou. “A determinação é clara: fique em casa. Peço encarecidamente àqueles que ouviram o pronunciamento ontem (terça-feira), que aguardem. Pronunciamento não tem validade jurídica, pronunciamento é opinião política”, acrescentou.
O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), afirmou, por sua vez, que manterá as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e que sua “prioridade é salvar vidas”. Ele reconheceu a preocupação com a questão econômica. “É importantíssimo nós termos algumas medidas nesse sentido com uma certa urgência. Minas Gerais é um estado que está sendo seriamente impactado. Vamos ter, caso essa situação perdure, uma queda na arrecadação de ICMS na ordem de R$ 7,5 bilhões. Isso seria catastrófico para o nosso estado”, alertou.
Reunião nacional
Ontem à tarde, governadores de 26 unidades da Federação — à exceção de Ibaneis Rocha (MDB), do DF — reuniram-se, também por videoconferência. Foi Doria quem articulou o encontro. Ao fim da conversa, eles escreveram uma carta a Bolsonaro, na qual desejam que ele “tenha serenidade e some forças com os governadores na luta contra a crise do coronavírus e seus impactos humanitários e econômicos”.
Eles concordaram em manter medidas para controlar a circulação de pessoas e fizeram pedidos, como a suspensão, por 12 meses, do pagamento das dívidas dos estados com União, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para aplicação em serviços de saúde e investimento em obras, redução da meta de superavit primário do governo federal e aplicação da Lei 10.835/2004, que institui a renda básica de cidadania, a fim de propiciar recursos destinados a amparar a população economicamente vulnerável.
Participou do encontro o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Ele ouviu outro apelo dos governadores: o de que a Casa agilize a aprovação do Plano Mansueto, proposta de socorro a estados e municípios. “Essa foi uma pauta urgente dos governadores, e nós vamos trabalhar para que ela seja aprovada no início da semana (que vem)”, disse o deputado.
Até então aliado de Bolsonaro, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), criticou o pronunciamento de terça-feira do presidente e sinalizou rompimento com ele. “Fui aliado durante todo o tempo, mas não posso admitir que vem agora um presidente da República lavar as mãos e responsabilizar outras pessoas por um colapso econômico, uma falência de empregos que venha a acontecer”, reprovou. “Não faz parte da postura de um governante. Um estadista tem de ter a coragem de assumir as dificuldades.” Caiado afirmou que, assim como o presidente, agora só se entrará em contato com ele por meio de comunicados oficiais.
Ibaneis
Primeiro governador a decretar medidas de restrição no combate ao coronavírus, como suspensão de aulas e fechamento do comércio, Ibaneis Rocha foi diplomático ao comentar o pronunciamento de Bolsonaro. Para ele, o chefe do Executivo federal tem razão em parte ao defender que o país não pode parar: “Não é hora de politizar ou polemizar. Bolsonaro tem parte da razão. Afinal, muitos municípios pequenos, sem qualquer caso de coronavírus, estão fechando”. Ibaneis ressaltou, porém, que essa não é a realidade em todas as localidades. “De outra parte, cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília têm situações diferenciadas. Eu vou manter o meu foco em cuidar das pessoas. Acredito e preciso do apoio do Ministério da Saúde e da Economia.” (Colaborou Ana Maria Campos)
OMS ressalta perigo
O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, foi questionado ontem sobre as declarações recentes do presidente Jair Bolsonaro de que a doença seria similar a um resfriado. Ele comentou que em várias nações há muita necessidade agora de atendimentos de urgência, por causa da doença. “Em muitos países, o coronavírus é uma doença muito séria”, frisou. “A responsabilidade é de todos, especialmente a liderança política. O governo inteiro deve estar envolvido.”
Fonte: Correio Braziliense
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