Prezados irmãos e irmãs em Cristo Jesus,
Como deve ser do conhecimento de todos, desde o início da pandemia da COVID19, decidimos suspender a Comunhão sob as duas espécies em nossa Arquidiocese, por tempo indeterminado.
Agora que, graças ao nosso Bom Deus, a pandemia vai se afastando, é tempo de estabelecer novas normas sobre essa questão. Antes, porém, gostaria de apresentar-lhes algumas reflexões que considero necessárias, já que sempre houve certa confusão e dúvidas sobre o ensinamento da Igreja acerca de tal prática.
Até o século XII, houve períodos em que era normal o fiel comungar sob as duas espécies eucarísticas. Variava apenas o modo de fazê-lo: por intinção ou com o uso da cânula (uma espécie de canudo) ou de uma colherzinha. No entanto, dadas as condições da época, aos estudos de alguns teólogos e decisões de alguns papas, não se favorecia tanto a recepção da Sagrada Comunhão desta forma por parte dos fiéis, a fim de se evitar sacrilégios (derramar gotas Precioso Sangue, por exemplo).
Santo Tomás ensinava que “o povo pode receber o Corpo sem o Sangue, sem nenhum inconveniente resultante disso, porque o sacerdote oferece e consome o Sangue em nome de todos; mais ainda porque […] em cada uma das duas espécies Cristo está contido em sua totalidade” (Summa Theologiae, III, q. 80, a. 12, ad 3).
No século XV, o Concílio de Constança afirmou que administrar a Comunhão aos leigos apenas sob a espécie de pão não era uma prática sacrílega ou ilícita, porque Cristo está plenamente presente em ambas as espécies. De fato, houve algumas heresias segundo as quais era necessário comungar do Corpo e do Sangue para seguir o ensinamento de Cristo (“Tomai e comei… tomai e bebei…”). E o Concílio de Trento precisou legislar também contra os erros dos reformadores, de modo que a Comunhão sob as duas espécies passou a ser quase inexistente para os leigos. E o Código de Direito Canônico de 1917, no cân. 852, era enfático: “A Santíssima Eucaristia deve ser distribuída somente sob a aparência de pão”.
O Concílio Vaticano II, para favorecer o zelo pastoral no tocante a uma participação mais plena na Sagrada Eucaristia, quis “reexaminar as decisões do Concílio de Trento referentes à Comunhão sob as duas espécies” e “autorizou para certos casos [a Comunhão], com a qual, graças a uma apresentação mais clara do sinal sacramental, se dá aos fiéis ocasião oportuna para compreender mais profundamente o mistério em que participam” (Instrução Geral do Missal Romano – IGMR 14). Deste modo, os números 281 a 287 da referida Instrução Geral baseiam-se na constituição conciliar sobre a Sagrada Liturgia e afirmam: “A Comunhão sob as duas espécies, firmes os princípios dogmáticos estabelecidos pelo Concílio de Trento, pode ser permitida, quer aos clérigos e religiosos, quer aos leigos, nos casos a serem determinados pela Santa Sé e a critério do Bispo” (Sacrossanctum Concilium 55). O Código de 1983, no cân. 925, segue as disposições conciliares: “Distribua-se a Sagrada Comunhão apenas sob a espécie de pão ou, nos termos das leis litúrgicas, sob as duas espécies; em caso de necessidade, somente sob a espécie de vinho”. Ou seja, o modo ordinário de distribuição da Eucaristia é sob a espécie do pão.
Na Instrução Eucharisticum Mysterium, da Sagrada Congregação para os Ritos, de 25 de maio de 1967, lemos, no n.32: “A santa Comunhão, quando administrada sob as duas espécies, adquire a forma plena em seu aspecto de sinal. De fato, nesta forma (mantendo firmes os princípios estabelecidos pelo Concílio de Trento, segundo os quais se recebe o Cristo todo inteiro e um verdadeiro sacramento sob uma espécie ou outra) aparece mais perfeitamente o sinal do banquete eucarístico e mais claramente se expressa a vontade segundo a qual o novo e eterno testamento é ratificado no Sangue do Senhor e a relação entre o banquete eucarístico e o banquete escatológico no reino do Pai”.
E continua apresentando uma lista de pessoas ou situações nas quais, segundo o juízo dos Bispos e a prévia e conveniente catequese, se permite a Comunhão também do cálice.
Em várias outras ocasiões, a Sé Apostólica voltou a se pronunciar sobre o assunto, como na Instrução Sacramentali communione, da Sagrada Congregação para o Culto Divino, de 29 de junho de 1970, que retoma o que foi tratado no Decreto Geral Ecclesiae Semper, de 07 de março de 1965, no qual foi promulgado o rito da concelebração e da Comunhão sobre as duas espécies. O elenco de situações em que a Comunhão sob as duas espécies é permitida simplesmente enumera os casos definidos no n.242 da Institutio generalis Missalis Romani, de 26 de março de 1970. Veja-se também a Instrução Liturgicae instaurationes, sobre a Reforma Litúrgica, de 05 de setembro de 1970, da mesma Sagrada Congregação para o Culto Divino.
Na Instrução Geral do Missal Romano, na tradução atualmente vigente no Brasil, lemos, no n.243.c: “Se a Comunhão sob as duas espécies é distribuída por intinção, cuide-se de que as Hóstias não sejam demasiadamente finas nem pequenas, mas um pouco mais espessas que de costume, para que possam ser distribuídas comodamente depois de molhadas parcialmente no sangue”. E no n. 246.b lemos: “Os comungantes aproximam-se um a um, fazendo a devida reverência e ficam de pé diante do sacerdote, segurando a patena sob a boca. O sacerdote mergulha parcialmente a Hóstia no cálice e diz, mostrando-a: O Corpo e o Sangue de Cristo; o comungante responde: Amém. Recebe a Comunhão e se retira”.
Enfim, na Instrução Redemptionis Sacramentum, da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, de 25 de março de 2004, lemos, no n.101: “Para administrar aos fiéis leigos a sagrada Comunhão sob as duas espécies, devem-se ter em conhecimento, convenientemente, as circunstâncias, sobre as que devem julgar, em primeiro lugar, os Bispos diocesanos. Deve-se excluir totalmente quando exista perigo, inclusive pequeno, de profanação das sagradas espécies. Para uma maior coordenação, é necessário que a Conferência de Bispos publique normas, com a aprovação da Sé apostólica, por meio da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, especialmente no que se referir ao modo de distribuir aos fiéis a sagrada Comunhão sob as duas espécies e à extensão da capacidade”.
E no n.103 da mesma Instrução, lemos que para a Comunhão por intinção, “usam-se Hóstias que não sejam nem demasiadamente delgadas nem demasiadamente pequenas e o comungante receba do sacerdote o sacramento, somente na boca” E ainda, no n.104: “Não se permita ao comungante molhar por si mesmo a Hóstia no cálice, nem receber na mão a Hóstia molhada”.
A principal preocupação da Instrução Redemptionis Sacramentum é evitar o “perigo, inclusive pequeno, de profanação das sagradas espécies” (n.101). A Instrução apresenta duas formas possíveis de comungar: que o ministro mesmo faça a intinção e assim a Comunhão deva ser dada diretamente na boca e não na mão do fiel (n.103); ou que a Comunhão do Sangue se faça bebendo diretamente do cálice, prevendo-se para isso ou um cálice de tamanho suficiente ou vários cálices, havendo, porém, sempre o cuidado de que não fique muito Sangue de Cristo para consumir no fim da celebração (n.103).
O Departamento das Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice, num texto de junho de 2011 sobre a formação doutrinal e Comunhão sob as duas espécies, lembra que, embora a Sagrada Comunhão sob ambas as espécies ilustre a intenção de Cristo de que comamos seu Corpo e bebamos seu Sangue, nem sempre o desejo de comungar desta forma foi acompanhado de fidelidade às normas dos livros litúrgicos e com o apoio da devida formação, para evitar abusos contra a Eucaristia ou mal-entendidos em nível doutrinal. O propósito de receber deste modo a Sagrada Comunhão não é que os fiéis recebam mais graça do que quando comungam sob uma única espécie, mas que eles sejam capazes de apreciar plenamente o valor do sinal: sendo sob uma ou duas espécies, na Comunhão Eucarística estão sempre presentes o Corpo, o Sangue, a Alma e a Divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo.
A CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, em Documento intitulado Animação da Vida Litúrgica no Brasil (Documentos da CNBB n.43), aprovado em Assembleia Geral em abril de 1989, nos lembra que “A distribuição da Comunhão sob duas espécies exige cuidados especiais, conforme as circunstâncias locais. As instruções litúrgicas insistem que apareça claramente, através da pessoa de um ministro que preside a distribuição, o sinal de Cristo que na ceia ‘dá’ a seus discípulos, em Comunhão, o seu Corpo entregue, o seu Sangue derramado. Por isso, a Comunhão deve ser sempre recebida da mão do ministro. Os pastores tenham o cuidado de orientar os fiéis sobre a Comunhão na mão”.
O fiel tem sempre direito a escolher se deseja receber a Sagrada Comunhão na boca ou na mão, de joelhos ou em pé (neste caso, é sempre bom ensinar-lhes a fazer um ato de adoração, seja uma reverência com a cabeça ou fazendo uma genuflexão). E também que se deve cuidar muito que o comungante consuma imediatamente a Hóstia, na frente do ministro, e não retorne ao seu lugar tendo-a na mão. Na medida do possível, que se mantenha (ou se inclua), principalmente no caso de Comunhão sob duas espécies, o uso da bandeja para a Comunhão dos fiéis, a fim de evitar o perigo de que caia algum fragmento eucarístico (Redemptionis Sacramentum 93; IGMR 287).
Por outro lado, o Papa Paulo VI, em sua Encíclica Mysterium Fidei, de 03 de setembro de 1965, insistia, sob o n.63: “Nem devemos esquecer que antigamente os fiéis, quer se encontrassem sujeitos à violência da perseguição, quer vivessem no ermo por amor da vida monástica, costumavam alimentar-se mesmo diariamente da Eucaristia, tomando a sagrada Comunhão com as próprias mãos, no caso de faltar um sacerdote ou diácono”. E pontuava, sob o n.64: “Isto não o dizemos para que se altere, seja no que for, o modo de conservar a Eucaristia ou de receber a sagrada Comunhão, segundo foi estabelecido mais tarde pelas leis eclesiásticas ainda em vigor, mas somente para todos juntos nos alegrarmos por ser sempre a mesma a fé da Igreja”.
Com essas reflexões, espero ter preparado os caminhos para a reintrodução da Comunhão sob as duas espécies em nossa Arquidiocese, o que faremos em breve.
Que o Senhor da Messe e Pastor do Rebanho os abençoe a todos.
Fraternalmente,
Dom Dimas Lara Barbosa
Arcebispo Metropolitano de Campo Grande – MS
Tags: Artigos, campo grande, Espiritualidade e Religião, Religião
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